Por Renato Zimmermann
Um sinal de alerta se acendeu no mercado elétrico de Geração Distribuída devido ao grande número de pessoas que estão construindo usinas na esperança de uma fonte de renda extra. São as conhecidas “usinas de investimentos”.
O modelo funciona da seguinte forma: O investidor constrói uma usina solar fotovoltaica em sua propriedade e uma empresa que comercializa créditos excedentes de kilowatts/horas formaliza um contrato de aluguel por um prazo longo, aloca estes créditos para um consumidor final que irá compensar no seu consumo de eletricidade reduzindo sua fatura de energia utilizando um mecanismo chamado de SCEE (Sistema de Compensação de Energia Elétrica), previsto na Lei Federal e regulamentado pela Agência Reguladora ANEEL.
Em resumo, este mecanismo permite que uma geração feita em um local possa ser compensada em outro, desde que a geração e a compensação ocorram dentro da mesma área de atuação da concessionária de energia. Neste mecanismo a concessionária fica responsável em fazer a fiscalização da regularidade da geração e também precisará contabilizar mensalmente apresentando na fatura de energia a leitura e o resultado da energia ativa injetada e compensada.
Neste modelo de negócio o consumidor de energia é atraído por uma redução em sua conta de consumo sem necessidade de investir ou instalar placas fotovoltaicas, e na outra ponta um investidor é seduzido a fazer um investimento mediante a promessa do pagamento de um aluguel mensal. Na intermediação ficam as empresas comercializadoras que cobram por estes serviços prestados.
Este artigo foi redigido para esclarecer que existem riscos que não estão sendo apresentados aos investidores, e por conta disso está acontecendo uma corrida desenfreada de empresas ofertando este modelo de usinas de investimento. As propagandas de oferta se intensificaram desde meados de 2023 quando as empresas integradores sentiram a queda das vendas e a necessidade de abrir novos nichos de mercado.
Efetuamos análise de algumas destas ofertas comerciais e a partir disso constatamos que as projeções de viabilidade econômica e financeira apresentam ganhos e retornos do investimento muito acima dos investimentos tradicionais. Em algumas ofertas, os ganhos equivalem a 200% da taxa de juros básica, a SELIC. Analistas e gestores de crédito vêm tentando interpretar estes movimentos de mercado preocupados com o aumento no volume de pessoas e famílias tomadoras de crédito que estão buscando financiamentos para aquisição de suas usinas.
Aparentemente isto é muito positivo para o setor, pois as empresas fornecedoras dos sistemas de geração conseguem movimentar quantidades maiores de equipamentos uma vez que estas usinas têm um valor de investimento superior em comparação aos sistemas adquiridos destinados apenas a geração e compensação do consumo próprio de energia. Em alguns casos usinas de microgeração são ofertadas por R$ 400 mil enquanto que usinas de minigeração o volume pode alcançar R$ 10 milhões. As empresas que ofertam aos investidores interessados são conhecidas como integradoras de energia solar, efetuam as vendas visitando seus potenciais clientes, dimensionando os sistemas, construindo e homologando as usinas junto as concessionárias. Para estas empresas, vender usinas como investimento tem sido uma salvação nas vendas que despencaram em 2023. Uma queda significativa nas vendas estava prevista e foi ocasionada pelo fato da mudança regulatória que previa para este período de 2023 o término do período de vacância da Lei Federal. E as novas vendas e instalações de sistemas passam a ter uma nova tarifação pelo uso do fio para os kilowatts/hora excedentes que serão injetados na rede elétrica pública.
Após avaliar várias planilhas e estudos de viabilidade de ofertas de “Usinas de Investimentos” realizadas no início de 2024, observamos que não estão sendo mensurados alguns riscos regulatórios inerentes e que ainda não estão devidamente regulamentadas pela agência reguladora, ANEEL. Muitos são os riscos a serem apontados, o principal é que ofertantes estão desconsiderando ou minimizando o impacto da falta de definição das regras a partir de 2029, mesmo estas estarem previstas na Lei Federal a agência reguladora está atrasada na divulgação. A regra prevê apenas o escalonamento da cobrança do fio-B que vai até o final de 2028 (ver tabela abaixo). Porém as novas usinas vendidas a partir do início de 2023 estão nestas novas regras e terão que aguardar qual será este impacto a partir da definição pendente da cobrança a partir de 2029. Uma incógnita muito importante que precisa ser apresentada para a tomada de decisão de quem for investir.
Outro ponto que merece atenção na avaliação dos estudos de viabilidade são os reajustes futuros superestimados. Considerar uma inflação energética pegando os aumentos tarifários do passado interpretando que estes reajustes passados irão se repetir no futuro é muito arriscado. Em 2022 e 2023 as contas de energia registraram aumentos inferiores a inflação de mercado, ou seja, o investimento teve um reajuste anual negativo e isto pode ser uma tendência futura. Para aplicar o reajuste anual, a maioria dos contratos de locação de usinas utilizam o parâmetro do valor da tarifa de energia onde será compensada a energia. Apesar de ser vedada a aplicação de quaisquer reajuste de contrato civil atrelado ao índice de correção da tarifa de energia, a avaliação das minutas de alguns contratos observamos que os cuidados e os preceitos legais estão sendo obedecidos, ou seja, isto não seria problema para a maioria dos contratos de locação praticados atualmente pelas comercializadoras mais atuantes no mercado. Este cuidado extra deve ser mais voltados aos contratos particulares onde um gerador procura diretamente um consumidor e faz uma negociação sem a utilização da comercializadora intermediária.
Um fato positivo para as usinas de investimentos e que servem a todos as outras formas de comprar e vender sistemas de energia solar fotovoltaica: os preços dos investimentos na aquisição dos equipamentos em 2023 tiveram uma redução mundial aproximada de 40%. Ou seja, uma usina que antes era ofertada já instalada e homologada por R$ 500 mil hoje sai por R$ 350 mil devido à redução destes preços na aquisição dos módulos e dos inversores.
Dentro deste contexto de riscos para quem decidir investir em uma usina de investimento para locação, deve ter uma atenção redobrada e os vendedores devem adotar uma postura de responsabilidade, assim tudo ficará bem e os investidores estarão cientes que seu investimento poderá sofrer alguma mudança futura, risco que é normal em qualquer tipo de investimento. Para trazer transparência aos investidores, elencamos abaixo alguns dos pontos que devem ser esclarecidos
Falta das regras a partir de 2029.
Abaixo uma tabela de como é a cobrança da tarifa do fio-B, um dos componentes da tarifa de energia, notem que a partir de 2029 a regra ainda não foi apresentada então o ofertante necessita formar cenário conservador imaginando que a ANEEL possa definir que o uso da rede deverá pagar não apenas o fio-B mas outros encargos.
Existe no pior cenário a cobrança de 100% da tarifa de energia, ficando livre para compensar apenas o valor da energia gerada, que é a menor parte do custo na conta de energia.
Cobrança de TUSD-Geração sobre a microgeração.
A Resolução normativa ANEEL 1.059/23 trouxe esta novidade negativa para a microgeração, inclusive para as usinas na regra antiga. Trata-se da cobrança de uma tarifa sobre a geração e a injeção da rede, chama-se TUSD-g. Ainda não começou a ser cobrada porque as concessionárias precisam trocar os relógios de medição atuais por um novo que faça a leitura também das potências injetadas na rede. Para as usinas de investimentos, isto irá refletir numa queda da rentabilidade pois quem irá pagar esta nova tarifa será o gerador. Pouco se ouve falar pois o assunto que domina é o fluxo inverso de potência, porém a cobrança da tarifa sobre a microgeração será a nova fonte de reclamação do setor.
Abertura do Mercado Livre.
Nos próximos anos os mercados de baixa tensão, onde hoje as usinas de investimentos alocam os créditos de kilowatts/hora poderão migrar para o mercado livre. Isto significa uma maior competividade no setor elétrico, o que é positivo pois irá reduzir os preços, porém para os investidores, isto irá significar uma redução dos valores de alugueis recebidos.
Tomada de Subsídios da ANEEL para rever o modelo.
A função da Agência Reguladora é promover o equilíbrio entre os agentes de mercado e fiscalizar se as regras estão sendo cumpridas. A Lei Federal (14.300/22) em seu artigo 28 diz que a “MMGD caracterizam-se como produção de energia para consumo próprio”. Então os diretores decidiram abrir um processo de tomada de subsídios para colher mais informações e avaliar se este modelo de locação de usinas está correta ou se precisa de novos comandos regulatórios. Neste aspecto estamos diante de um risco regulatório, uma vez que milhares de usinas foram construídas para locação e renda extra e uma interpretação e mudança poderão trazer barreiras para a continuidade do enquadramento dentro deste modelo, podendo trazer frustrações aos investidores que sequer sabiam da existência deste risco.
Reajuste das tarifas energéticas.
Com o aumento da competitividade e da oferta de energia, é possível que as contas de energia não tenham remuneração acima das inflações de mercado como a IPC e o IGPM. Este risco existe e deve ser melhor avaliado. Muitas simulações carregam com muito otimismo este reajuste elevando artificialmente as simulações de remuneração futura. Assim considerar nas simulações financeiras algo acima de 6% é ser muito otimista e em algumas simulações avaliadas os projetos mostravam uma inflação de 8% e 10%.
Valoração dos Custos e Benefícios da GD.
Está previsto na Lei Federal de 2022 que deverão ser apurados os benefícios da geração distribuída para o sistema elétrico brasileiro e que o resultado seja incluído no conjunto des regras de compensação dos créditos. Da mesma forma os custos também deverão ser computados.
Uma consulta pública foi aberta para esta valoração de custos e benefícios da GD, mas as diretrizes, a metodologia e o resultado ainda não foi apresentado. Este resultado poderá trazer benefícios para os investimentos caso seja apurado uma alíquota positiva, ou um prejuízo se a ANEEL interpretar que a geração distribuída esteja gerando custos maiores que benefícios para a rede elétrica. Esta indefinição é objeto de pressão junto a agente reguladora pois concessionárias e os grandes geradores querem travar o crescimento deste mercado.
Riscos patrimoniais.
Construir uma usina de investimento requer a contratação de uma apólice de seguro patrimonial, assim eventos como ciclones, granizo, raio e furto podem ser mitigados. Porém o risco é patrimonial, em caso de algum evento de sinistro, a usina irá parar de gerar por um período de tempo resultando em perdas financeiras. Para mitigar riscos patrimoniais, é recomendável que o investimento seja feito em local seguro e com algum tipo de monitoramento como alarmes, cercamentos e câmeras de monitoramento inibindo a tentativa de furto dos equipamentos e dos cabos. Sempre recomendável ter alguém para atender os alertas em caso de tentativa de invasão do perímetro da usina.
Imaginando que uma usina construída com 200 módulos fotovoltaicos possa gerar um volume médio de 155 mil kilowatts/hora por ano, isto alcança uma renda mensal para o investidor na faixa de R$ 6 mil por mês. A partir do 2025 este valor irá cair conforme a aplicação as regras de cobrança escalonada do fio. Mas se considerar que a ANEEL irá definir o pagamento de 100% da TUSD, cenário que não é descartado, este valor de R$ 6 mil deverá cair para menos de R$ 2 mil mensais levando os investidores a uma frustração e a busca de esclarecimentos e revisão de contratos. Aí um conflito será iminente pois não deveria ser surpresa os pontos acima elencados. Se os riscos não foram apontados pelo vendedor, alguém futuramente irá demonstrar as falhas na avaliação ocasionadas pela ocultação ou falta de atenção aos mesmo. Assim o contrato de locação poderá cair em uma disputa judicial pelos danos ao resultado prometido.
Então cabe repensar que diante destas variáveis, as premissas sejam de fato mais realistas, ou problemas futuros na relação comercial serão inevitáveis. No momento em que a concessionária de energia providenciar a troca do relógio bidirecional atual por um de quatro quadrantes que passará a medir a potência injetada na rede, a cobrança da TUSD-g começará a ser realizada na fatura da unidade geradora reduzindo a rentabilidade do empreendimento feito pelo investidor.
Lembrando que muitas pessoas fazem este investimento como uma aposentadoria, uma renda recorrente futura e muitas famílias investem esperando esta renda no longo prazo. Comprometem suas economias e depois não irão aceitar uma culpa dirigida meramente para a Agência Reguladora, para o governo e aos políticos pois isto não irá trazer seus sonhos de volta.
A Geração Distribuída é uma das maiores transformações que o Brasil irá experenciar nesta década, trará grandes benefícios para a sociedade. E para isso acontecer os agentes do setor elétrico precisam ter uma postura comprometida com seus clientes oportunizando a estes toda a gama de oferta de soluções deste novo e inovador mercado elétrico está trazendo.
Renato Zimmermann
Mentor e Consultor
Canal Youtube: Energia & Transformação
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